ANOREXIA NERVOSA

1. Definição

A Anorexia Nervosa é um transtorno alimentar caracterizado por uma limitação da ingestão de alimentos, devido à preocupação excessiva com a magreza e o medo mórbido de ganhar peso. Está incluída no CID.10 (Classificação Internacional de Doenças), em F50.0.

A incidência desta perturbação tem aumentado nas últimas décadas, encontrando-se actualmente entre 2 a 4% da população mundial.

2. Critérios de Diagnóstico

a) Recusa em manter o peso corporal num nível igual ou superior ao mínimo normal para a sua idade e altura

b) Medo intenso de ganhar peso ou de se tornar obeso, mesmo possuindo já um peso abaixo da média;

c) Perturbação do modo de vivenciar/percepcionar o peso ou a forma do próprio corpo;

d) Nas mulheres pós-menarca, amenorréia (ausência de pelo menos três períodos menstruais consecutivos).

3. Causas

Não se conhecem as causas específicas da Anorexia Nervosa, mas há autores que referem o papel de factores biológicos, de interacções familiares e sócio-culturais mal-adaptadas, de mecanismos psicológicos e especial vulnerabilidade da personalidade.

Em termos neurológicos, as condutas de alimentação estão reguladas por mecanismos automáticos do Sistema Nervoso Central. Apesar desta determinação neurofisiológica, o processo da alimentação (fome, sede, saciedade) está vinculado igualmente a experiências vivenciais prévias, tais como: sentimentos de segurança, bem-estar e afecto que se experimentam através do peito materno na lactação, rituais/rotinas familiares relativas às refeições, significação da alimentação, antecendentes de carência afectiva extrema, entre outros. Também se relacionam ao acto de comer as experiências sociais, já que constitui um fenómeno de comunicação e interacção social.

Alguns investigadores consideram os transtornos alimentares como sindromas ligados ao padrão cultural vigente. De acordo com esta concepção, a pressão cultural para emagrecer é um elemento fundamental da etiologia destes distúrbios, os quais, em associação com factores biológicos, psicológicos e familiares acabam por gerar uma preocupação excessiva com o corpo, em detrimento da saúde física. 

4. Características

Na Anorexia Nervosa, a percepção do esquema corporal encontra-se significativamente perturbada. A vivência e a importância do peso e da forma corporal estão distorcidas, e estes indivíduos acreditam ter um excesso de peso, mesmo quando confrontados com os valores contrários da balança.

A perda de peso é obtida principalmente através da redução do consumo alimentar. Nos casos mais graves, o paciente adopta métodos suplementares para perder peso, como a auto-indução do vómito, o uso de laxantes ou diuréticos e a prática de exercícios físicos intensos. A auto-estima do indivíduo encontra-se obsessivamente dependente da percepção da sua forma e peso corporais. Assim, a perda de peso é vista como uma conquista notável e um sinal de grande auto-disciplina, ao passo que o ganho de peso é sentido como um fracasso do auto-controle.

A relação dos pacientes com  a comida pode ser de grande ambivalência. Com frequência verificam-se casos de indivíduos que escondem alimentos em armários, dentro de roupas, ou que preparam pratos elaborados para familiares ou amigos (mas que os próprios não consomem). Também podem procurar actividades profissionais ligadas à cozinha ou coleccionar receitas e artigos culinários. Em geral, a preocupação crescente com os alimentos acompanha a diminuição do seu consumo.

Outros distúrbios psicofisiológicos surgem da própria situação de inanição destes pacientes, quer devido à elevada restricção alimentar, quer às práticas purgativas.

Há investigadores que relacionam a Anorexia Nervosa a determinadas Perturbações da Personalidade, como o Transtorno Depressivo Major e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo, embora não existam dados científicos conclusivos de uma correlação.

5. Factores Culturais, de Idade, Sexo e Profissão

Existe uma prevalência bastante superior da anorexia nas sociedades industrializadas, nas quais existe abundância de alimentos e onde ser atraente, principalmente no que se refere ao sexo feminino, está ligado à magreza. A doença também afecta mais frequentemente indivíduos de classes sociais mais elevadas.

Esta perturbação alimentar raramente surge antes da puberdade, ocorrendo o seu início, em geral, entre os 14 e os 18 anos de idade.

Mais de 90% dos casos de anorexia ocorrem em indivíduos do sexo feminino.

Algumas profissões, em que a magreza se encontra relacionada com a realização profissional (bailarinas, ginastas, modelos), apresentam um risco muito alto para o desenvolvimento da anorexia.

6. Consequências

A anorexia Nervosa leva a uma progressiva deterioração física e mental. Pode conduzir à morte (como são exemplo os recentes casos transmitidos pelos meios de comunicação social), em consequência das alterações orgânicas e metabólicas secundárias à desnutrição e do desequilíbrio electrolítico. A taxa de mortalidade em função directa da doença é estimada entre 6 a 10%.

7. Tratamento

Uma das primeira dificuldades é conseguir que o paciente adira ao tratamento, já que a negação da doença é muitas vezes parte integrante desta perturbação. Os indivíduos geralmente desconfiam dos médicos, vistos como inimigos, interessados apenas em realimentá-los (ou seja, fazê-los engordar).

Nalgumas situações, dado o estado de desnutrição do paciente, é necessário o seu internamento para restabelecimento da sua saúde física. A psicofarmacoterapia é indispensável, geralmente sob a forma de antidepressivos e neurolépticos, com um efeito colateral de aumento do apetite.

A psicoterapia individual e/ou familiar também está indicada, visando a modificação do comportamento, das crenças erróneas e dos esquemas de pensamento rígidos.

8. Conclusões

Verifica-se um aumento preocupante da incidência da Anorexia Nervosa nas sociedades ocidentais industrializadas, nas quais, paradoxalmente, existem melhores condições económicas e o acesso à alimentação está favorecido. Esta conclusão remete-nos para a existência de diversos factores implicados neste distúrbio alimentar, que podem actuar de modo isolado ou em interrelação, como características biológicas, familiares, psicológicas e sociais.

De qualquer modo, consideramos importante, como uma das formas possíveis de se prevenir o surgimento da Anorexia Nervosa, que o acto de comer seja precocemente relacionado não apenas com a satisfação de uma necessidade básica (ligada ao instinto de sobrevivência), mas igualmente com a partilha e a ingestão do alimento numa base afectiva, de tranquilidade e segurança interior e exterior que facultam o crescimento físico e psicológico. Os sentimentos de bem-estar, valorização pessoal e de pertença familiar e social, que a introjecção do alimento (ou Incorporação do Outro) pode simbolizar, permitem o desenvolvimento e consolidação de uma personalidade mais saudável, logo menos vulnerável a determinadas pressões sociais.

Fénix (04-Mar-2007)