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O Vôo
30 décembre 2006

ETNIA CIGANA

summermorning_gem

Cigano

A sociedade multicultural em que vivemos caracteriza-se pela diferença. Contudo, o discurso desta diferença, que nos entra diariamente em casa pela comunicação social, está impregnado de juízos de valor, comparações, inferioridades e superioridades, resistências, incompreensões, oposições e rejeições.

Esta posição face à diferença faz parte de um processo mais vasto, despoletado sempre que uma determinada cultura se encontra face a uma outra que, aos olhos da primeira, surge como “diferente” ou “estranha”. Na maioria das vezes, ao centrar-se nas suas próprias categorias para classificar essa cultura diferente, ignora que também ela é alvo de análise e classificações por parte dessa outra cultura dita “diferente”. Deste modo, o processo coloca em relação duas ou mais culturas que, se mantiverem ignorância e intolerância mútuas e recíprocas, acabam por criar e solidificar ideias preconcebidas e imagens totalizantes.

O desconhecimento, o não-reconhecimento, o não-entendimento e a desconfiança recorrentes muitas vezes do contacto com o Outro acabam por gerar”identidades negativas” que estão na base dos processos de discriminação, segregação e xenofobia nas sociedades actuais.

É importante conhecer o Outro, neste caso o Cigano, os seus valores, a sua cultura, as suas normas e os seus padrões de conduta de modo a criar um espaço de intercomunicação entre as duas culturas.

I – ORIGENS

Julga-se que os ciganos são originários do Noroeste da Índia (actual região de Punjab), de onde partiram por volta do ano 900, iniciando o seu percurso nómada.

Os “ROM” (que significa Homem) ter-se-ão dispersado pelo Egipto, Roménia, Turquia, Rússia e vários outros países. Pelos países por onde iam passando, havia sempre um pequeno grupo que se fixava, dando origem a comunidades ciganas espalhadas por um vasto território europeu. No percurso nómada iniciado na Índia, os ciganos chegam a Portugal.

No reinado de D. João IV (1647), este mandou fixar residência a alguns presos idosos, mulheres e filhos ciganos. Apesar das proibições e perseguições, a monarquia aceitou e até protegeu legalmente os ciganos sedentarizados (aos quais eram dadas “cartas de vizinhança”) e que geralmente se tratavam de indivíduos que participavam em animações.

Em 1708, no reinado de D. João V, saiu um decreto a proibir o traje, a língua, a prática de comércio de animais e “outras imposturas”, sob pena de açoites e degredos.

Até final da monarquia (1910) a relação do poder com os ciganos foi marcada por constantes tentativas de “erradicação” total ou parcial dos ciganos nómadas.

Na Europa, estima-se que existam actualmente cerca de 7.000.000 a 8.500.000 ciganos. A maioria vive na Roménia e na Espanha.

II – ESPECIFICIDADES DA CULTURA CIGANA

Para podermos abordar a especificidade cultural da população cigana é fundamental falar do papel central assumido pela família, do respeito pelos mais velhos, da mulher e da virgindade, do casamento, do dialecto, do luto e dos mortos.

A família extensa constitui a unidade estrutural básica da organização social e cultural da etnia cigana. É através dela que os elementos mais novos acedem à cultura e identidade ciganas, ao sistema de valores, aos padrões de cultura, ao que é interdito e ao que é permitido.

Uma vez que os mais velhos detêm um papel muito importante na comunidade e os homens a responsabilidade de orientar e controlar a mulher e a descendência, é o avô paterno a figura mais respeitada entre a população cigana. Por ser ele quem tem mais experiência de vida e maior conhecimento da cultura cigana, o avô paterno domina a “lei cigana”, ou seja, as normas e padrões de conduta que o cigano deve seguir, fazendo dele a pessoa que deve ser consultada sempre que surgem conflitos entre indivíduos ou famílias.

A convivência intergeracional é muito importante para a reprodução social do grupo, factor que se torna responsável pela resistência e/ou rejeição da população cigana em relação às creches, jardins de infância, escolas e lar de idosos, que afastam as crianças dos pais e avós e os substitui por elementos de outra cultura, rompendo ou pelo menos dificultando a transmissão da cultura e modos de ser e estar ciganos.

a) O Papel da Mulher na Etnia Cigana

A beleza física da mulher é valorizada desde a infância, acompanhando-a no seu crescimento, uma vez que é um aspecto importante para conseguir melhores “pretendentes” para casar. Quando atinge a pré-adolescência, é, em regra, retirada da escola, por diversas razões: “despertar” do corpo, receio de envolvimento com rapazes não ciganos e atribuição de funções sociais e familiares pré-definidas. A pré-adolescente passa a ser vista na comunidade como uma “solteirinha” e os pais investem nas filhas com o objectivo de conseguir um “bom casamento” (família do pretendente estar bem inserida na comunidade cigana-poder monetário e social).

Este “investimento” traduz-se na valorização da imagem (através das roupas e jóias) e da aprendizagem de determinados comportamentos, tidos como correctos e essenciais para uma futura esposa: saber dançar e cantar, ser “sossegada”, ser boa dona de casa e boa mãe. Quando a família entende que a adolescente está preparada para o casamento, é apresentada à restante comunidade.

b) O Casamento 

O “pedimento” geralmente é feito através das famílias, mas também pode ser feito pelo próprio pretendente.

Depois da consumação do casamento, a sogra terá que ter acesso à “prova da virgindade” da noiva, que guarda para si. No caso da mulher não ser virgem, o homem tem o direito de rejeitar o casamento e a noiva regressa a casa dos pais, apesar da vergonha que tal facto representa para a família.

c) A família

A precocidade do primeiro filho é um elemento integrante do estatuto de mãe que a cultura reconhece à mulher e reforça o elo de ligação entre as duas famílias. A primeira gravidez é um complemento natural e esperado do jovem casal, independentemente da idade da mulher. Só o segundo filho será planeado.

A adesão às práticas contraceptivas é maior por parte das mulheres mais jovens. No entanto, esta prática na maioria das vezes não é precedida de aconselhamento médico. Toda a família alargada se envolve no processo educativo das crianças, embora a mãe assuma um papel preponderante.

Uma mulher cigana só ganha estatuto de maior respeito dentro da comunidade quando atinge a faixa etária dos 50/60 anos.

d) A Mulher e o Luto

No caso de viuvez, a importância social da mulher é diminuída, perdendo direitos dentro da comunidade. O luto é para toda a vida. A mulher deixa de ser chamada pelo seu nome próprio e passa a ser a “viúva” do marido; passa vestir-se de preto o resto de sua vida. Ou seja, a mulher é “anulada”, deixa de existir enquanto pessoa e passa a ser a “sombra” do marido falecido. Deixa de poder usar qualquer coisa que a embeleze ou chame a atenção para a sua feminilidade.

Algumas tradições do luto na mulher:corte de cabelo, às tesouradas, e o cabelo cortado é colocado no caixão do marido que vai a enterrar);roupas pretas e largas; sapatos sem salto; lenço na cabeça; não pode usar qualquer acessório de beleza; não pode usar produtos de cosmética; a sua participação em eventos sociais é limitada.

e) Língua

Existem importantes variações entre os grupos maioritários de ciganos, mas constata-se que todos falam um idioma que tem a mesma origem histórica, que é o “romanó”. Entre os ciganos portugueses, só foram passando de geração em geração algumas “palavras-código”. O “caló” pode definir-se como o idioma dos ciganos peninsulares, que usam algumas palavras do romanó e aplicam a gramática castelhana ou portuguesa.

III – OS CIGANOS EM PORTUGAL

A etnia cigana encontra-se em Portugal há, pelo menos, cinco séculos, sendo, comparativamente a outros grupos étnicos minoritários e com menos tempo de permanência no território nacional, a que mais se distingue da sociedade dominante. O elemento que marca esta tão forte distinção é a forma como esta etnia conseguiu preservar durante séculos a sua cultura e modos de vida, quase sempre à margem da sociedade, destacando-se, principalmente, a resistência sistemática pela integração escolar e profissional.

A cultura cigana aparece como uma identidade étnica que não se rege pelos mesmos valores da cultura dominante, o que se reflecte em todas as dimensões da sua organização familiar e social. Contudo, as alterações da sociedade foram exercendo alguma pressão e levando a novos esforços de adaptação, a novas ocupações e condições de vida. Numa sociedade maioritária voltada para o trabalho e para o consumo, a etnia cigana vai sofrendo mudanças nos seus valores e estilos de vida e muitos dos seus membros, principalmente os jovens adultos, encontram-se divididos entre a necessidade de integração na sociedade dominante e o desejo de preservação da sua identidade e autonomia étnica.

Um dos condicionalismos a nível de inserção profissional é facilmente verificado no caso das mulheres: na tradição cigana, estas não têm acesso à escolaridade básica (já de si muito reduzida a nível da comunidade em geral) e não lhes cabe trabalhar para além da ocupação nas actividades domésticas e dos cuidados dos filhos, ou da ajuda ao marido em actividades tradições de venda e comércio ambulante. Por isso, existe muita resistência da parte da comunidade cigana relativamente ao trabalho feminino.

IV - O DESAFIO DA MULTI/INTERCULTURALIDADE

Barbosa (1996) assinala três tipos de resposta da sociedade dominante face á diversidade cultural:

  • Assimilacionismo: defende o primado de uma das culturas em presença e a incompatibilidade entre as diferentes culturas. Fundamenta-se na ideia de que existe uma cultura universal que deve ser assimilada pelas outras, criando um contexto favorável à desigualdade de oportunidades;

  • Multiculturalismo: consiste na afirmação por parte de cada grupo de que a sua cultura é essencialmente diferente das outras. Nessa perspectiva, a cada cultura corresponde um espaço, sendo a sociedade uma atomização cultural. Consequentemente, os grupos culturalmente minoritários são forçados a assumir uma espécie de biculturalismo;

  • Interculturalismo: é sinónimo de reconhecimento do pluralismo cultural. A complementaridade pressupõe um enriquecimento mútuo que leva á construção de uma cultura comum. Significa que qualquer cultura sai enriquecida do contacto com as outras.

Na nossa sociedade actual, o verdadeiro desafio consiste em passar do multicultural ao intercultural, isto é, reconhecer, respeitar e valorizar a diferença. Trata-se de assumir como própria a pluralidade do nosso mundo, aceitar que todos os seres humanos têm os mesmos direitos e merecem o mesmo tratamento e dignidade. Para implementar uma autêntica prática intercultural, há que se investir na “negociação” e no estabelecimento de compromissos sociais que abarquem os diferentes grupos culturais.

Fénix

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Commentaires
L
Muito bom, este estudo sobre a etnia cigana.
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